Polêmicas à parte, Elena Ferrante segue sendo uma das leituras mais cativantes à disposição do leitor contemporâneo, com suas tramas e sua narrativa tão bem escritas, seu domínio da alma feminina, sua capacidade de mergulhar em questões difíceis de abordar, o que faz com ousadia e arte.
Aqui temos duas histórias ambientadas no mesmo universo, com o mesmo grau de angústia, mas tão diferentes na construção, devido aos públicos a que se destinam. “Uma noite na praia” e “A filha perdida” (ambas publicações da Intrínseca) falam de mulheres, de meninas, de bonecas, de praia. O primeiro, infantojuvenil, conta a saga da boneca Celina, esquecida na praia por sua dona, que se apaixonou por um gatinho, objeto dos ciúmes e do ódio de Celina. Entre pavores noturnos, aventuras aterrorizantes e viagens pela linguagem, a pobre protagonista acaba conhecendo um novo amigo e aliado e descobrindo o amor de sua dona. É livro infantil, mas densidade diferenciada e qualidade superior ao que se faz no mainstream do gênero.
Já “A filha perdida” é outro daqueles romances clássicos de Ferrante. A professora Leda, de seus quarenta e muitos anos, vai passar o verão no litoral e se encanta por uma jovem mãe, cuja filhinha um dia se perde na praia e tem a boneca roubada. Leda se liga a Nina, a mãe, e a Elena, a filha, enquanto revisita sua relação com as próprias filhas, hoje distantes, em outro continente, vivendo com o pai. Leda revive todo o sofrimento por que passou ao ter que fazer escolhas, como entre a carreira acadêmica e o cuidado de suas meninas, e como ousou abandoná-las em nome do encontro consigo própria.
A trama surpreendente une mães e filhas, mulheres à procura da felicidade e divididas entre o amor próprio e o amor pelo outro – no caso, filhas em busca do amor materno -, expectativas internas e externas em torno do papel da mulher na construção de um universo pessoal compatível com ética e desejo, questões de idade e poder de sedução… Elementos que Elena Ferrante explora com maestria em sua obra e que fazem dela, junto a uma escrita absolutamente deliciosa, o fenômeno maior que as polêmicas em torno de sua identidade. Seja quem for, ela é demais!
li todos que foram publicados no Brasil. Nosso grupo de leitura de literatura feminina, Ler para tecer, começou com Elena Ferrante, em 2017. O único não escrito por mulher, foi Laços (Starnone é ótimo, mas Elena Ferrante, no nosso ponto de vista, é uma mulher mesmo. Algumas sutilezas que um homem não saberia escrever para uma personagem feminina.) O grupo completou 3 anos. Ficamos meio paradas mas, em julho recomeção a discussão, pelo Zoom. Interessante que lemos A filha perdida e Uma noite na praia para uma única discussão. Os que você comentou nesse artigo. Elena Ferrante já está escalada para novembro. O que ainda sai em setembro.Somo 10 no grupo. A metade, não abre mão de Elena Ferrante.
Excelente o seu artigo. Vai fundo, no sentimento que nos desperta esses dois livros.
Li A Filha Perdida. Um soco no estômago e uma narrativa cativante, impossível parar a leitura antes do final