Só mesmo a volta das (merecidas) férias com um monte de serviço me esperando explica a demora em resenhar um dos mais belos livros que li ultimamente: “A duras penas”, de Edna Rezende (Patuá), coletânea de contos em que a autora mineira-brasiliense traz, como protagonistas ou personagens, diversos pássaros, suas histórias, sua simbologia.
“A duras penas” usa as aves para falar de gente. De dor. De luta. A cada conto, dedicado a galinhas, pintassilgos e cacatuas, mulheres, sobretudo, vasculham as entranhas para falar de abandono e infelicidade, mas também de esperança.
No primeiro deles, A cacatua, o belo pássaro narrador acompanha, literalmente, a desagregação emocional de sua dona, num jogo em que relações familiares são observadas e vivenciadas, “a duras penas”, pela protagonista.
Na história da primeira galinha, uma penosa de estimação aleijada, desengonçada, mas amada por sua dona, a simplória Ernestina, mistura receitas, vinhas d’alho, rotina, perda, dor, dor, dor. A construção do clímax se dá num suspense que a autora domina com maestria e que deixa um nó na garganta do leitor.
E assim vai de conto em conto. A joaninha-de-barro e seu adeus dorido; o coleiro e a cobra verde enamorados numa sedução mortal, incompreensível para humanos de fora do jogo; o inhapim (que dá nome à cidade natal de Edna, em Minas), uma das narrativas mais complexas e intrigantes do conjunto, e tão amarga quanto as demais; o melro e o segredo em torno de uma morte; o pintassilgo que encarna o desamor; a segunda galinha a atormentar os últimos suspiros de um homem; o pardal a quem se agarra a velha senhora ao se despedir de sua casa e de sua vida…
Como Edna Rezende escreve bem! E que histórias ela narra para nos emocionar, engasgar, fazer refletir! Registre-se, finalmente, mas não menos relevante, a belíssima edição, com projeto gráfico e ilustrações de Leonardo Mathias. Um livro-objeto encantador, como a serpente que ganha o coração do coleiro.
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