A leitura do romance “Servidão humana”, de Somerset Maugham (Abril), me remeteu a outro clássico do gênero, “Grandes esperanças”, de Charles Dickens, cujo protagonista, Pip, se aparenta ao Philip Carey desse agora. Ambos meninos sofridos, carentes, que se submetem a exigências sociais opressoras e que se deixam emaranhar pela servidão do amor não correspondido, pela dominação da mulher frívola e má.

Philip, porém, tem nuances diferentes do Pip de Dickens. O defeito físico que tanto o constrange conquista a simpatia do leitor, assim como sua extrema inteligência, que o empurra para frente, em busca de um sentido para a vida, de um rumo que o faça feliz. Nada encontra, no entanto. Philip descrê da religião em que é criado pelo tio, não tem aptidão para ser artista, não dá conta do vazio representado pelo burocrático trabalho em contabilidade, não se sente à vontade na profissão do falecido pai, que era médico.

É um intelectual, um filósofo, encontra-se na literatura, sem contudo tentar escrever, e em tudo se coloca pelas metades, infeliz, inseguro, inadaptado. O mesmo se dá no aspecto romântico de sua vida. Sente vergonha do defeito físico; sua primeira amante, mais velha que ele, o constrange com suas rugas e sua entrega sem limites; não se julga merecedor do amor de uma boa mulher. E aí mergulha na paixão pela frívola Mildred, que não nutre por ele senão interesse material e o manipula em sua paixão exacerbada por ela.

Ora, até a entrada em cena de Mildred, apenas com os amigos homens Philip havia se sentido bem, vivenciado momentos de realização e correspondência. Os intelectuais de Heidelberg, os aprendizes de pintores de Paris, os colegas da escola de medicina – são esses jovens brilhantes ou interessantes que permitem a Philip ser ele mesmo, abrir-se em sentimentos mais verdadeiros, sem os jogos a que a relação com as mulheres sempre induz.

Creio que Philip possua um traço homossexual enrustido. Isso não explica o fato de ele amar quem não o ama e não dar conta de viver o amor da mulher que o aceita como ele é, mas aponta em parte seu desajuste que nem ele mesmo entende.

Achei o livro longo, a narrativa num estilo antigo, excessivamente detalhista, tão diferente dos ritmos mais intensos de hoje em dia. Me cansou. Ao ler depois que boa parte da trajetória de Philip corresponde a vivências do próprio autor, que também “bateu cabeça” pelos mesmos ambientes que seu protagonista antes de se encontrar na literatura, fui mais empática para com esse clássico lançado em 1915.