Já tinha lido da Fernanda Torres o surpreendente “Fim”, em que ela conta a história da morte de um grupo de velhos amigos (literalmente, a morte de cada um deles) de uma forma tão interessante que houve más línguas a duvidar da sua autoria. Maldades e injustiças à parte, volta agora a atriz com novo romance, novamente com incrível domínio narrativo e controle sobre o tema em questão.
“A glória e seu cortejo de horrores” (Companhia das Letras) mergulha de forma profunda no universo do teatro. Claro que, para tal, facilita o fato de a autora ser filha da maior atriz brasileira de todos os tempos (Fernanda Montenegro), de um grande ator e produtor cultural (Fernando Torres), e ela mesma, Fernandinha, um dos grandes nomes da cena nacional e internacional, premiada desde a estreia em festivais pelo mundo.
Fernanda Torres, escritora com todos os méritos, conhece de dentro o universo em questão. E constrói a história de um ator que corre paralela à cultura brasileira da segunda metade do século XX. O protagonista, Mário Cardoso, começou no CPC da UNE, fez teatro engajado nas ligas camponesas, desbundou com a geração “Hair”, caminhou na vanguarda, chegou à televisão, foi galã de novela, sucesso de público e crítica, até se aventurar num Shakespeare mal-sucedido que conduz à sua derrocada e aos “horrores” do título (frase lapidar de Fernandona, que Fernandinha aproveitou), dívidas, participação em novela bíblica, anúncio de papel higiênico…
O romance é engraçado e triste, dolorido e cheio de história do Brasil, bem escrito, uma delícia de ler sem perder o fôlego.
Ah, by the way, #EuLeioMulheresVivas
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