Vesti meu uniforme completo do Galo, assim como tinha feito ontem, e saí pra uma caminhada, pra suar as mágoas. A dor na garganta não é resfriado, é choro preso, mesmo, precisando sair. Futebol? Nem tudo é futebol. Os primeiros seres com que me encontrei foram os de sempre: a borboleta multicor, o joão-de-barro, desta vez não tão belicoso, com uma miniflorzinha no bico, o sabiá a plenos pulmões, exibindo o gogó de ouro pra quem duvide de sua majestade, o calanguinho fujão.

Mas logo apareceu, em minha direção, um ser humano de camisa do Botafogo, cabelos mais brancos que os meus, pernas firmes na caminhada. De longe ele sorriu, confundindo, talvez, minhas listras pretas e brancas com as suas. Mais de perto constatou que o escudo era outro. Devolvi seu sorriso com meu indefectível bom-dia e, para sua surpresa, completei:

– Parabéns! Vocês mereceram a vitória!

Ele adorou, riu e seguiu em frente. E eu também. Minhas lágrimas já podiam correr soltas, enquanto eu pensava que futebol não é tudo e que o mundo que queremos construir tem que comportar diferença e respeito, gentileza e bom humor.

Penso às vezes em fazer uma promessa de largar o futebol. Deixar de me importar. Mas como abandonar um amor como esse? Ao longo da vida a gente aprende a renunciar a tantos amores!

Aqueles que não nos querem mais, aqueles que se foram pra nunca mais voltar, aqueles que nunca nos quiseram e mesmo assim alimentamos ilusões. O futebol, não. Ele não nos promete nada, senão sofrimento e glórias eventuais. Corrijo-me: o Galo não nos promete nada, senão dor e raras alegrias.

Mesmo assim, não quero renunciar a ele. Uma hora meu irmão vai voltar e vai me chamar pra ir ver o Galo, seja na Arena, seja ao seu lado, em casa. Ele, que não é de usar uniforme, vai querer vestir a camisa da Candangalo que eu lhe dei. E o que eu vou dizer? Não, não gosto mais de futebol, não amo mais o Galo. Não seria eu.

Segui meu caminho, rodeada por calangos e mais sabiás. Um belo dia pra suar as mágoas, com direito a ventinho e chuva de mangas maduras no chão. Pensa o aroma! Já no lado oposto da quadra, meia hora depois, lá vem em minha direção, de novo, o mesmo botafoguense feliz dos cabelos brancos. Dessa vez ele me viu primeiro e parou em minha frente. Me estendeu a mão e devolveu o cumprimento:

– Parabéns pra vocês também! Foi um jogão!

Pensando bem, dá pra melhorar o mundo com uma miniflorzinha no bico que seja.