Fiz viagens memoráveis às cidades históricas de Minas. A começar por Diamantina, que aprendi a amar nos moldes de Ouro Preto, pelas mãos de um mestre. Esse caso já contei, mais ou menos, no meu romance 1974, com tintas ficcionais. Fomos também em excursão pelo Centro Pedagógico, dessa vez levados pela professora de história, Dona Beatriz Ricardina.
Para ajudá-la na tarefa de tourear um bando de adolescentes, ela contou com a ajuda de um seu estagiário, Flávio. Com paciência e jeito, o jovem estudante nos apontava características estilísticas que diferenciavam as obras de Diamantina das de Ouro Preto, situando detalhes arquitetônicos, as pedras capistranas, aspectos internos das igrejas, aquelas imagens que tocavam fundo nossos corações libertários desde a puberdade.
A certa altura do passeio, atravessou conosco o famoso Beco do Mota, bem no centro da cidade histórica, e começou a cantar:
– Diamantina é o Beco do Mota, Minas é o Beco do Mota, Brasil é o Beco do Mota, viva meu país!
E nos introduzia, assim, à música de Milton Nascimento e Fernando Brant, que ainda tateávamos, em meio ao pop americano que embalava nossos primeiros amores.
Esse era o Flávio Sampaio, vim a saber mais tarde, liderança do movimento estudantil na Fafich, onde eu estudaria anos depois. No período mais tenebroso da ditadura militar, ele não resistiu às pressões internas e externas e acabou se suicidando. Era uma lenda na Fafich quando lá cheguei. Habitou minha memória pra sempre como o cara que me despertou a paixão por Diamantina.
Voltaria lá diversas vezes: pras farras durante várias edições do Festival de Inverno; a trabalho, pelo Estado de Minas, quando fiz matérias sobre carnaval, mineração, patrimônio histórico, artes rupestres, cachoeiras, destinos turísticos, Biribiri, Serro, Conceição do Mato Dentro, Serra do Cipó; pra iniciar ali a famosa viagem de bicicleta pela Estrada Real, com a turma do Dá Pedal; pra folia, seresta e tudo mais. Sempre com amigos divertidos e bobagentos, nunca mais passamos pelo famoso beco sem cantar, à nossa moda:
– Diamantina é o Beco do Mota, Minas é o Beco do Mota, Brasil é o Beco do Mota, viva o cu do Mota!
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Outra cidade histórica que frequentei com assiduidade e paixão foi Tiradentes. Inicialmente apenas pra turismo (foto junto ao relógio de sol da Igreja Matriz de Santo Antônio). Depois, a trabalho. Mais tarde, unindo as duas coisas. Foi quando Biiça e Raquel inventaram o sempre encantador Festival de Cinema de Tiradentes. Íamos em grupo, a turma do Estado de Minas, chefiados, em todos os sentidos, pelo João Paulo. Daniela, Mariana, Tecris, Helvécio, Marquinhos, Serginho e tantos outros se alternavam a cada ano. Formávamos um grupo animado e disposto a trabalhar e nos divertir. Cobríamos as sessões, entrevistávamos artistas e o público, resenhávamos os filmes, comíamos e bebíamos sem moderação.
O que não podia faltar era a casa que alugávamos para abrigar todo mundo, sempre a mesma, de um outro João, que adotamos e que nos adotou. A cada temporada ele anunciava:
– Este ano fiz melhorias na casa. Vocês vão gostar.
E aparecia uma piscina, uma escada mais segura, uma reforma no banheiro, um quarto mais bem acabado. O João nunca ficava devendo benfeitoria na casa.
Certa vez emendei a cobertura do festival de cinema com uma semana de férias na cidade. Foi incrível constatar como o lugar se transformava na segunda-feira, depois que todo mundo ia embora. Fiquei lá todos aqueles dias, almoçando sozinha em cada restaurante, curtindo sozinha a piscina da pousada, entrando e saindo sozinha das lojas que se mantinham abertas, mesmo às moscas.
Assim, vazia dos turistas e da balbúrdia de seus sons automotivos, dava pra ouvir melhor as vozes emanadas das ruas, como bem ensinara o mestre Paulo César em Ouro Preto. O Padre Toledo, as pedras do chão, os santos nos altares bicentenários, o horizonte emoldurado pela lindíssima Serra de São José, onde se multiplicam cachoeiras e outros passeios junto à natureza; os encontros com meu primo Nando, que morava ora em Tiradentes, ora em São João del-Rei.
Curioso que a antiga São José del-Rei, meio gêmea de São João, sempre fez parte da minha história afetiva, enquanto a irmã maior nem tanto. Já fui várias vezes lá, visitei igrejas, o túmulo do Tancredo, amigos como o saudoso Carlos Henrique Gerken, que a covid nos tirou tão dolorosamente. Mas ali me faltou conexão. Ainda preciso de um guia pra me despertar a centelha da paixão. Quem se habilita? Éder Carneiro? Lucília Neves?
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Da última vez em que estive em Tiradentes quase matei de preocupação minhas amigas-irmãs Mada e Gegena. Estava em plena crise de angústia, ansiedade, mal conseguia atravessar uma rua ou andar sozinha sem um paralisante ataque de pânico. A própria viagem de carro era um sacrifício sem a adequada medicação ansiolítica. As meninas nunca haviam me visto assim e ficaram de fato preocupadas. Mas foram perfeitas na solidariedade, no acolhimento, nas mãos dadas quando eu precisei delas.
Esse tipo de mal acomete muito mais gente do que as pessoas sabem, porque muitos dos que o sofrem têm vergonha de falar disso. “Como assim, uma mulher forte, bem resolvida, bem-sucedida, ter medo de atravessar a rua ou de viajar de carro?” Mas o problema não escolhe a vítima, e muitas vezes quem sofre está calado ao seu lado, sem que você faça ideia. Papo reto pra quem tem angústia e ansiedade: não sinta vergonha, não esconda das pessoas, sobretudo dos amigos. Papo reto pra quem conhece alguém com esse problema: não julgue, não veja como fraqueza o sofrimento do outro.
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