Nem bem lancei o livro com as crônicas de viagem e o chamado para pôr o pé na estrada já me pegou de jeito, de modo que não pude resistir. Minhas três colegas de infância, as lindas do CP com quem partilho amizade há 50 anos, iam pra Sergipe, pra casa da família da Mada, e só eu ficaria de fora? Nananina! Cacei uma passagem viável e lá me fui revisitar um estado pelo qual havia “passado passando”, de bicicleta, em 2014, rumo a Mangue Seco, já na Bahia. Não sem antes fazer um teste de covid e me assegurar que estava negativada. Aleluia!

Desta vez o destino até incluía Mangue Seco (onde acabei não voltando, por motivos de trabalho, imaginem só!), mas o foco era realmente descansar à beira de um rio, ao som dos passarinhos e da prosa das amigas. Ao final de nove dias, foi tudo isso e muito mais! Primeiro porque não estávamos apenas nós quatro, Mada, Lísia, Gegena e eu, mas também as filhas da primeira, Alice e Júlia, jovens, belas, inteligentes e divertidas, o anfitrião Adriano, irmão tranquilão da Mada, e last, but not least, Fatinha, a colaboradora, cozinheira, cuidadora, zeladora e amiga dos Eulálio de Souza.

Fatinha é uma mulher batalhadora, trabalhadora e mãe de família, dona de uma simpatia e uma alegria que transformam a vida à sua volta. Claro que ela faz isso também com a magia das guloseimas que produz: café da manhã com a melhor tapioca da minha vida, cuscuz, sucos, frutas, ovos com queijo, vitaminas, bolos, doces, enfim, uma mesa matinal melhor do que as de todos os hotéis em que já me hospedei na vida. E não foram poucos, garanto. Isso sem falar na hora do almoço e nas demais produções culinárias, que incluem até o mexidinho perfeito pra de noite.

Mas Fatinha é mais que mãos de fada na cozinha. É boa de prosa, inteligente e bem-humorada. Assim, nos ajudou a conhecer e entender melhor o panorama humano que encontramos nessa temporada sergipana. Sim, porque foram dias de conhecer pessoas ricas e interessantes, gente da terra, mesmo, e migrantes vindos de longe, como Jorge, gaúcho de Santa Maria da Boca do Monte, cheio de histórias pra contar e de nostalgia pra relembrar, ao lado de sua companheira Karine, defensora dos animais; Ângelo, paulista que trocou Santa Catarina por Sergipe, culto ex-reitor de universidade, e Neide, sua companheira de vida e labuta; França, radialista baiano aposentado após mais de 50 anos de cobertura esportiva e musical, aluno de pescaria do Adriano; fora os mineiros, como nós, que por ali se apaixonaram e aportaram pra sempre.

Visitas, jantares, cafezinhos, vinhos e longos bate-papos nos permitiram uma imersão na alma daquela comunidade, onde fofoca e cuidados mútuos se misturam, com todo mundo sabendo da vida de todo mundo, e lembrando Caetano: de perto ninguém é normal.

Me apaixonei pelo Isaías, um rapaz que trabalha na casa em frente, passeando cachorro, atuando de caseiro, servindo nos passeios de lancha do patrão e preparando a melhor “rosca” (redução de caipirosca no linguajar local), mesmo sem ele próprio provar as bebidas alcoólicas que fazem tanto sucesso. Isaías gosta de ler, de estudar, ainda vai crescer muito, porque tem todos os dotes de nascença e de criação, além de esforço e vontade.

Duas coisas me fisgam em cada lugar que descubro: suas frutas e os modos de falar. Em Sergipe contabilizei a maior variedade de frutas numa só temporada. Entre as colhidas ali mesmo no pé e as trazidas do mercado, saboreamos em nove dias, in natura ou em forma de sucos e doces, mais de 20: manga, mangaba, cajá, jambo, umbu, pitanga, acerola, laranja (seleta e serra-d’água), banana (da-terra e prata), abacate, carambola, araçá, coco, melancia, seriguela, maracujá, limão, pera, uva, caju, abacaxi e mamão.

Sobre o modo de falar, não difere muito de outras regiões do Nordeste onde se diz “rebolei no mato” quando se joga alguma coisa fora. Novidades foram “cabrunco”, adjetivo nada lisonjeiro que remete ao Coisa-Ruim; “mocofaia”, sinônimo de bagunça ou zorra total; Topic, genérico de van ou qualquer transporte alternativo usado pelos trabalhadores. Tem também Raio da Silibrina, uma banda de forró apreciada pelos nossos novos amigos e cujo nome também serve pra designar uma porção de coisas.

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O condomínio onde fica a casa do Adriano situa-se no município de Itaporanga d’Ajuda, à beira do rio Paripoeira, bem perto de Aracaju. Dizem que vem de lá a melhor água de beber do mundo. Concordo. Nas nossas andanças, fomos à praia na capital, ao clube dentro do condomínio, nadamos e passeamos de barco pelo “nosso” rio, almoçamos num restaurante de beira da estrada que serve moquequinha de aratu cozida na palha da bananeira (delícia de origem indígena, sendo aratu um tipo de caranguejo), visitamos a Lagoa dos Tambaquis, ali pertinho, mas já no município de Estância. Desse modo contabilizei ter nadado em rio, mar, lagoa e piscina, contemplando o desejo e a necessidade de água pra lavar as zicas do ano que findou e da era que – ninguém aguenta mais – findará em outubro deste ano.

Deixei Estância pro fim porque, na verdade, ela é o começo de tudo. Veio dessa histórica cidade sergipana meu bisavô, Antônio Pacheco Ribeiro d’Ávila, pai da minha avó Glorinha, e eu não poderia ir a Sergipe sem conhecer a terra do meu antepassado. Fiz isso, mas a história é longa, então vai ficar pra próxima crônica. Por enquanto, ficamos com Itaporanga d’Ajuda, as lindas do CP e nossa amizade amorosa de 50 anos, a família do Adriano, Fatinha e suas delícias, o galo Pavarotti, que nos acordava toda madrugada, Pirapoeira, o rio de águas salgadas que traz com a maré peixes fartos e ecos do oceano baiano ali pertinho. Pássaros, frutas, uma gente boa e hospitaleira e a paisagem perfeita pra curar nossas retinas cansadas.