Tem um anúncio no Youtube em que uma mulher diz:
– Eu vejo números. Você também vê números? Venha fazer o curso…
Não me interessa fazer tal curso, embora eu também veja números. E letras. E palavras. Sempre os vi, por aí, a me enviar mensagens, umas cifradas, incompreensíveis, outras explícitas. Vou contar uma história cheia de números e letras.
Além de ver sinais espalhados pelo mundo, passei a prestar atenção também nas coincidências desde que li o livro “O caderno vermelho”, de Paul Auster. Amo esse autor norte-americano! (aqui https://www.outubroedicoes.com.br/noticias/mudou-a-minha-vida/ o link para meu comentário)
Há cerca de um mês, andando na minha quadra, vi a placa de um carro iniciada em JHM. As iniciais do meu pai (José Henriques Maia) aqui em Brasília são relativamente fáceis de ver. O caso é que, no carro ao lado, a placa começava em PAI. Era tanta coincidência que, apesar da pressa, parei e fiz a foto. Tenho certeza de que Seu Maia estava me dando um alô, ou uma piscadela daquelas que ele gostava de dar, misto de cumplicidade e chamego. Na hora não reparei, mas ao publicar as fotos no Instagram, um monte de gente notou que também os números eram muito semelhantes e pareciam querer dizer alguma coisa. Vejo números, mas de fato estava muito apressada para pesquisar – ou apostar. Uma prima me avisou que os números se referiam a anjos. Acredito.
(Uma vez sonhei com números tão interessantes que os passei pro Seu Maia, pra ele jogar no bicho. Ganhamos! Foram 100 reais! E isso tem muito tempo! Era dinheiro, na época.)
Não parou por aí. Dali a alguns dias fui a BH. Numa noite, minha irmã Goia e eu entramos no elevador lembrando e rindo de uma história do Seu Maia. Era aquela brincadeira que ele fazia:
– Quando eu contava uma história pra pada, a pada… ria… Eu contava uma piada pra droga, a droga… ria…
A gente dando risada, entra um homem no elevador. Vestia uma camiseta com duas figuras masculinas no peito e umas letras na manga. As letras eram SSVP. Eu puxei conversa:
– O senhor é da Sociedade São Vicente de Paulo?
E ele:
– Sim, sou. É uma instituição muito bonita, faz coisas importantes.
– Nós sabemos. Nosso pai também era vicentino.
– E esses dois aqui na camiseta são São Vicente de Paulo e Frederico Ozanam, criador da SSVP.
– Sim, nós até temos um irmão que se chama Frederico Ozanam em homenagem a ele.
Chegamos em casa com a certeza de que mais uma vez Seu Maia mandava seus recadinhos. Um alô, um carinho.
Este mês faz 15 anos que ele virou anjo graduado. Aqui na Terra havia sido por 91 anos. Quinta-feira passada, dia 12, eu estava aperreada com alguns problemas e de repente me lembrei que fazia exatos 15 anos que conversei com meu pai pela última vez. Era Dia dos Pais, como hoje, eu tinha passado o fim de semana com eles em BH, mas era hora de vir embora. Entrei no quarto, onde ele tirava um cochilo, e me despedi. Ele só respondeu:
– Filha, não esquece que estou sempre com você.
Embora não soubesse que aquelas seriam suas últimas palavras pra mim, a emoção não foi menor.
Então, quinta passada, dia 12, além de chateada, eu estava tristonha, com saudade de conversar com meu pai. De ouvir sua voz. Aí me lembrei de uma vez em que nos reunimos lá na sala de casa pra tentar tirar dele as letras de algumas das músicas – emboladas, desafios, brincadeiras – que ele compunha ou recolhia pela vida. A sessão havia sido meio difícil, porque ele já estava com a saúde um pouco debilitada, tinha preguiça de qualquer esforço. Mas me lembrei que minhas sobrinhas Clarice e Luísa haviam gravado em seus celulares a conversa. Perguntei a elas, nenhuma das duas tinha mais os arquivos.
Ontem, dia 13, repeti a pergunta no grupo e, pra nossa extrema alegria, o Fred (o mesmo Frederico Ozanam de algumas linhas acima) tinha os arquivos. Que compartilhou. E nos deleitou. Um de 19 minutos, outro de 13. A mesma história, mas de ângulos diferentes. Assisti aos dois umas dez vezes ontem. Rindo, chorando, reparando um detalhe, matando saudades da voz, da cara, das mãos, da minha mãe, hoje em silêncio e sem comunicação, de nós naquela latomia que eles adoravam, uma baguncinha boa, musical, amorosa, entre pais, filhos, netos. Papai, mamãe, eu, Luca, Clarice, Luísa e Bernardo.
Faltava descobrir a data do vídeo. O Luca pensou em 1999. Eu disse:
– Não, Luca, foi mais no fim. Papai já não estava bem. Isso é 2006 ou 2007.
O Fred foi conferir nos metadados dos vídeos. Era 12 de agosto de 2007. O mesmo dia em que me despedi dele 15 anos atrás. No dia 19 ele caiu e se machucou. No dia 30, bateu asas e voou.
Não posso deixar de indagar: é tudo coincidência? Ou Seu Maia não perdeu a mania de nos mandar recados, afagos, mostrar-se vivo e importante nas nossas vidas? Seja como for, feliz Dia dos Pais, sô Maia! E siga mantendo a promessa de estar sempre comigo.
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