Parafraseando um antigo intelectual e ex-presidente da República, esqueçam tudo o que eu escrevi. Eu não entendo nada, mesmo. Sou uma palpiteira muito fajuta em matéria de futebol. Não foi à toa que um crítico literário me detonou logo na minha estreia em livro, quando lancei o romance “Segunda divisão”. Ele disse com todas as letras que eu não entendia nada porque sou mulher.
Mas por que tanta autorrevolta logo hoje?, vocês podem perguntar. Simplesmente porque foi o seguinte o comentário que fiz meio minuto antes do gol do Brasil contra a Suíça:
– Quem tá fazendo o papel de camisa 10 é o Casemiro. Ele que está criando, distribuindo o jogo, e ele não sabe fazer isso. Assim não dá!
– Golllllllllllllll, emendei ao belo chute dele, que abriu e fechou o placar, decretando a classificação da seleção brasileira às oitavas de final. Gritei e pulei de alívio.
E por que eu não acreditava no Casemiro (foto) pra fazer o que ele estava fazendo? Porque, como a maioria das pessoas, estava confinada à minha zona de conforto, pensando dentro da caixinha. Achava que volante é meia de contenção, não de criação, e em tese seria essa a função do Casemiro na escalação do time.
Sempre gostei dele quando era do São Paulo e depois, quando foi pra Europa, brilhou no Real Madrid e se consagrou como um dos mais bem-sucedidos jogadores da sua geração. Agora, aos 30 anos, é peça incontestável no time de Tite. Mas aí aconteceu uma coisa que nunca pensei que veria acontecer: ele apareceu como elemento surpresa.
Tenho birra dessa expressão porque toda vez que ela é usada vem como um aviso: o fulano será o elemento surpresa. Ora, com tanto alerta, ninguém será surpreendido. Exceto hoje, contra os suíços. Ele não só me surpreendeu como aos adversários, que só se preocupavam com nossos atacantes perigosos e ameaçadores. Assim o meia bonzinho, sem nenhuma pinta de matador, pôde matar o jogo com toda a categoria.
Tirando nosso placar magro, nosso futebol de resultado, sem o brilho da estreia, hoje foi um dia quente na Copa do Catar. Os dois primeiros jogos, com seus 11 gols, animaram a manhã. Obrigada, Camarões e Sérvia! Obrigada, Coreia do Sul e Gana! O empate em 3 x 3 às 7h da manhã não me permitiu aquela cochilada do tédio nem por um segundo. Foi eletrizante.
Já a vitória dos ganenses sobre o coreanos me lembrou uma febre à qual aderi: as séries coreanas que passei a assistir e que descobri serem ótimas. A denominação “dorama”, dada a essas produções, imita o modo como eles pronunciam a palavra “drama”, que em inglês quer dizer filme. Mas a situação do time, sim, está “doramática”, pobre Coreia do Sul.
Como dramático ficou o caso do Uruguai após a derrota por 2 x 0 para Portugal. Lamento que meu sangue e meu passaporte portugueses não me façam uma torcedora mais convicta da seleção de Cristiano Ronaldo. Se dependesse de torcer pro Vasco pra poder ser cidadã portuguesa, adeus dupla nacionalidade! Sou, como disse uma vez o Casseta & Planeta num esquete memorável, aquela mulher que gosta de futebol, entende de futebol, acompanha tudo de futebol: uma legítima portuguesa de desportos.
Já com os vizinhos uruguaios as afinidades são maiores, talvez pelas condições de latino-americanos que nos unem nos mesmos desafios. O problema é que o Uruguai entrou em campo feito time pequeno, retrancado, morrendo de medo dos adversários. Só foi crescer quando tomou gol e quando o Arrascaeta entrou. A torcida do Flamengo e a de seus rivais sabem que o Arrasca é um dos melhores jogadores abaixo da linha do Equador, não da seleção equatoriana, não me confundam. Mas o técnico deles resiste e teima. Assim, na hora que cresceu e mostrou algum arrojo, o time levou o segundo e viu nuvens cinzentas ameaçarem seu futuro na competição.
Ainda falta muita coisa. E, sem querer usar mais um lugar-comum, mas já usando, jogo é jogado e lambari é pescado. Aguardemos os próximos capítulos dessa minissérie que, se não chega a ser um “dorama”, não deixa de mexer com todas as nossas emoções.
Texto escrito para o projeto Crônicas da Copa – www.cronicasdacopa.com.br
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