A piracema da iara

Márcio Metzker é um escritor profícuo e pleno de ideias inventivas. Depois da delicada criatura vegetal protagonista de seu romance anterior, O mistério do pólen, agora ele nos traz uma iara mítica das águas doces para contracenar com um frade dotado daquela ira santa que tira do comodismo certas personagens e as lança na aventura de mudar o mundo. Em A piracema da iara, Frei Durval deixa o convento para enfrentar uma viagem Rio São Francisco abaixo, munido de uma imagem do santo esculpida por ele mesmo e de uma fé inabalável na justiça, seja a dos homens ou a de Deus.

Frei Durval e a iara empreendem juntos uma jornada, como improvável casal platônico, porém apaixonado pelos seres viventes, os das águas e os da terra, os de carne e osso e aqueles criados pela imaginação popular. No caminho rio abaixo, deparam-se com violência, espoliação, injustiça, crueldade, descaso, gente ruim e gananciosa, mas também com gente abnegada e disposta a dar a vida pela causa. A causa é a natureza, são os indígenas, são os pequenos, os pobres de espírito, são aqueles a quem o Deus do religioso reservou o reino dos céus.

Enfrentando cartéis, políticos mal-intencionados, interesses escusos e poluição indiscriminada, a dupla e seus aliados desvelam para o leitor uma realidade que se agrava e acentua a cada dia. Há ainda conflitos internos, e nosso missionário não escapa de revelar também os próprios dilemas, homem falho e pecador por baixo do hábito de justiceiro. Em A piracema da iara, Márcio Metzker tempera fantasia com denúncia social, imagens e possibilidades de sonho e pesadelo. Não há como ficar imune.

Clara Arreguy, jornalista, escritora e editora