Toda vez que eu penso que agora vou conseguir manter o ritmo e a constância de publicação neste blog acontece alguma coisa que me impede de fazê-lo. Desta vez, passaram-se quase três meses, e o motivo foi simplesmente um livro muuuuuito grande, que demorei mais de dois meses pra ler, mas que valeu a pena: Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves (Record).
O calhamaço de 950 páginas pode parecer assustador, mas à medida que se avança em sua leitura percebe-se que cada página vale ser curtida com calma e atenção. O romance narra a vida de Kehinde (Luísa, no registro cristão), uma africana sequestrada e vendida como escrava ainda aos sete anos de idade. Kehinde já havia assistido ao estupro e assassinato de sua mãe por uma tribo rival, em sua terra natal. Fugiu com a avó e a irmã gêmea, foram roubadas e embarcadas num navio negreiro, onde o segundo inferno lhe ensina que nada é tão ruim que não possa piorar.
No Brasil, a menina é comprada por um fazendeiro da ilha de Itaparica e se torna dama de companhia da sinhazinha, aprendendo a ler e escrever. Sua inteligência e perspicácia determinam os caminhos que tomará, ora por decisão própria, ora por contingências. Kehinde é estuprada e engravida. Conhece o amor, aprende a amar a liberdade e a construir possibilidades para si e para os que a rodeiam.
A história dessa mulher é longa e cheia de percalços, mas igualmente repleta de força, luta, solidariedade, aprendizado, realização de sonhos, vivências de decepção, violência, injustiça, etc. etc. Ao longo de sua trajetória, que passa pela Bahia, Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro e África, aprendemos boa parte da história do Brasil que não é contada na escola, a história das atrocidades cometidas contra os negros escravizados, a história da resistência, de revoltas como a dos malês, a presença e atuação dos muçurumins (muçulmanos) na Bahia, a repressão e a sobrevivência das religiões, dos ritos e mitos afros, a história de negros brasileiros que cruzaram de volta o Atlântico e tiveram negócios, riqueza, crescimento e decadência em solo africano, enfim, registros que os vitoriosos apagaram ao contar a história desse povo.
O livro requer tempo de leitura, mergulho na emoção, atenção a tantos ensinamentos. Nem a linguagem empobrecida pelo excesso de descrições e pela falta de diálogos, que impedem um ritmo um pouco mais ágil, desmobiliza o leitor. Leitura obrigatória, inesquecível, enriquecedora.
Sim, também me foi uma leitura enriquecedora
Li já faz algum tempo esse livro seminal,leitura indispensável e que é um deleite. É uma ótima i introdução à temática espinhosa que é a escravidão no Brasil.Em janeiro li Escravidão, do Laurentino Gomes e depois Pequeno Manual Antirracista, da Djamila Ribeiro. Esse também indispensável porque propõe mudança de mentalidade e atitude.