A gente nunca sabe com o que a vida vai nos presentear depois daquela curva. Só sabe que as decisões mudam tudo quando você escolhe um caminho ou outro, se vai seguir em frente ou virar no próximo cruzamento. Sendo assim, o que poderia ter sido e não foi pode ser motivo de alívio ou de queixas eternas, dependendo de quem olha a história.

Pois vejamos Rozita. Filha de uma família de judeus emigrados da Romênia para o Brasil, nasceu no Rio Grande do Sul e lá pelas tantas foi parar em Belo Horizonte. Mocinha, perto da idade de se casar, tinha dois pretendentes: Jorge e Chuchu. A família de Rozita fazia mais gosto pelo segundo, devido às condições econômicas do jovem com apelido de hortaliça.

Sem oferecer muita resistência, lá foi Rozita encarar o encontro com Chuchu, mesmo sabendo que seu coração já pendia para Jorge, bonitão e charmoso, ainda que menos favorecido pela sorte nas finanças. O date foi marcado numa lanchonete do centro da capital mineira, local neutro e de poucos riscos para a reputação da moça. Lá, o despachado e bem-sucedido Chuchu tratou logo de pedir um sanduíche. Um. Assim que o pedido chegou, tacou a manzorra no pão recheado, rasgou-o ao meio e entregou metade à “candidata”, ficando com a outra metade.

– Assim tá bom, né?

Rozita não respondeu nem tico nem taco. Mastigou a parte que lhe coube no arranjo, despachou o pretendente e voltou pra casa praticamente noiva de Jorge. Casaram-se, tiveram quatro filhos lindos e inteligentes e foram felizes para sempre. Um sempre não muito longevo, infelizmente, mas pelo menos nunca mais teve que ouvir falar no Chuchu mão de vaca e seu meio sanduíche.

Com Maia também não houve arrependimento. No seu tempo de Caratinga, o sem-vergonha namorava duas moças ao mesmo tempo. A Nini, filha da terra, que estudava na capital e vinha à cidade natal apenas nas férias; e a Diva Margarida, que era de outra cidade e estudava em Caratinga, onde só ficava no período escolar. Dessa forma elas nunca estavam disponíveis ao mesmo tempo e o Maia podia enrolar as duas.

Flagrado pela irmã da Nini de mãos dadas com a Diva Margarida na praça, o Maia corou até parecer um pimentão, mas aquilo o fez se sentir na obrigação moral de resolver a questão. Pensou, matutou e se perguntou: de qual delas eu sinto mais saudade quando estou longe? A Nini ganhou de lavada. Ele terminou com a Diva Margarida, o namoro com a Nini ficou sério e eles se casaram após três anos de noivado.

Muitos anos passados, os nove filhos criados, estávamos eu e Seu Maia num supermercado quando ele arregalou aqueles olhos esverdeados e me puxou prum canto:

– Clara, não olha agora, mas quem está ali é a Diva Margarida!

– Onde, pai?

– Ali, aquela!

Quando eu a vi, fiquei meio chocada, porque ela parecia muito mais velha que Seu Maia ou Dona Nini, acabada, com ares de quem teve uma vida difícil, sofrida.

– Deve ter passado por maus bocados, comentei com ele.

– É, minha filha, quem se deu bem fui eu, ele confessou, aliviado. Pois minha mãe, mesmo idosa, ainda era a maior gatinha, e a ex-namorada sofrera intensamente os efeitos do tempo.

Já o caso da Dayse foi diferente. Jovenzinha, ela despertou paixão no novo médico da cidade, o Dr. Xenofonte. E correspondeu ao sentimento daquele honrado senhor. Porém, havia um porém. Ou melhor, dois: ele era desquitado e 25 anos mais velho que ela. A família dela se opôs veementemente, e a pobre Dayse era muito moça pra conseguir enfrentar o poder familiar pra viver o grande amor.

Após o afastamento do Dr. Xenofonte, sem muita opção, Dayse acabou se casando com o Baltasar, mesmo. Não havia fortes sentimentos, mas era o que tinha pra hoje. Tiveram suas filhas, levaram a vida meio aos trancos e barrancos, mas novamente os tempos não eram favoráveis  a uma separação, então Dayse carregou sua cruz até o fim, ou seja, até a morte de Baltasar.

Depois de viúva voltou a pensar nos sonhos do passado, entre eles o Dr. Xenofonte, o amor impossível. O tempo, no entanto, é inexorável, e como o bem-amado era 25 anos mais velho que ela, nessa época já havia morrido havia décadas.

As filhas de Dayse se casaram e lhe deram uma porção de netos, que cresceram ouvindo a história do Dr. Xenofonte, aquele que poderia ter sido e não foi. Mas aderiram ao sonho da avó e nunca deixaram de homenageá-lo nos aniversários de Dayse:

– Com quem será, com quem será, com quem será que a vovó vai casar?

– É com o Xenofonte, é com o Xenofonte, é com o Xenofonte que a vovó vai casar!

Pra risada mais feliz e realizada da Dayse, que assim, uma vez por ano, festeja até hoje sua pequena vingança contra a repressão às paixões proibidas e contra os casamentos arranjados e sem amor.