Logo após a leitura de Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, senti necessidade de ler também Escravidão, de Laurentino Gomes (Globo Livros) , o primeiro volume de uma trilogia em que o jornalista e historiador pretende abarcar o vasto assunto fundador da brasilidade. Porque, de fato, nada há na história do Brasil que supere a escravidão, no entendimento dos analistas mais sérios, em determinar o que nos tornamos hoje. Toda a desigualdade, toda a dicotomia entre riqueza e pobreza, entre candura e opressão, entre cultura e ignorância, o entendimento de como e por quê age a nossa elite dominante, está tudo ali, nas origens históricas, no negócio da escravidão.
O livro é uma pancada. A gente que já leu de tudo nesta vida, sem poupar temas nem escolher caminhos fáceis, se choca com a brutalidade que foi esse fenômeno. Do tráfico ao transporte, do trabalho forçado aos castigos e torturas, da eliminação física à destruição moral, mental, cultural, está ali o envolvimento de todos, todos, todos, no negócio. Igreja, países, empresas, instituições, pessoas, ninguém deixou de tirar proveito da escravização de pessoas, dos africanos transportados aos milhões, ao longo de quatro séculos, para um desenraizamento sem retorno.
As extensas pesquisas de Laurentino mostram que a escravidão sempre esteve presente nas organizações humanas, desde as mais priscas eras, e atravessou todas as culturas e regiões. A origem do nome, vindo de “eslavos”, prova que eram escravizados louros de olho azul, e não apenas negros. Na sábia Grécia antiga havia escravos, entre as tribos judaicas também, os islâmicos escravizavam inimigos derrotados.
Assim, é fato que na África reinos em guerra dominavam os derrotados e vendiam pessoas para seus parceiros comerciais. Mas o que decorreu daí, entre o século XV e o XIX, não teve precedentes e nunca mais se repetiu em magnitude, como negócio ou como abominável prática. Estudar, ler, entender faz parte de um longo e inesgotável processo para que a sociedade – a brasileira, tão racista, em especial – se redima do que fez e do que faz, ou seja, das condições às quais condenou a maior parte da sua população pobre, herdeira de toda a aberração que foi a construção de um país nas costas de seu povo.
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