Na semana passada, uma amiga minha passou mal e teve que ir a um hospital particular, que atende por seu convênio. Foi bem tratada, medicada, resolveram seu problema, mas ela ficou incomodada porque o médico não falava com ela. Não explicava nada, não a tranqüilizava. Quando comentamos o assunto com outras pessoas, percebemos que, aqui em Brasília em especial, mas em toda parte, cada vez menos os médicos conversam. Como se pacientes não fossem sujeitos e sim objetos ? bem tratados, mas objetos.
E fomos ampliando a compreensão de que não são apenas os médicos. Em todos os campos, as conversas vão sendo substituídas pela burocracia. Não se tem tempo nem paciência para falar e ouvir. A linguagem, que distingue os seres humanos diante de outros animais, perde mais e mais espaço. A comunicação, então, que é a linguagem funcionando para ligar um ao outro, não se completa. Nunca é demais voltar aos serviços falsamente chamados de Fale Conosco. Não falam conosco, não nos ouvem. Põem máquinas para conduzir nosso monólogo telefônico, de opção em opção, até que os “minutinhos” que aguardamos façam explodir os limites da paciência de qualquer monge.
Falar com o outro é ato de amor. Ouvir o outro é ato de amor. Conversar, dar atenção, entender, compreender, responder ? são todos verbos que se conjugam com a solidariedade, com a humanidade, que revivem as características pacificadoras de que os humanos são capazes.
Há um filme lindo de Pedro Almodóvar chamado Fale com ela, no qual um enfermeiro cuida de uma moça em coma e a trata não como pedaço de carne inconsciente, mas como sujeito ? doente, fora do ar ou desligado, mas sujeito. A palavra conduz o afeto, chama à vida, traduz o amor. A palavra dita ? e sobretudo ouvida ? cura. A moça acorda.
Para 2007, desejo a todos os leitores e amigos que prestem atenção nos outros e que os outros lhes prestem atenção. Que os prestadores de serviço descubram que o maior diferencial que podem oferecer ao cliente é um serviço de atendimento ao consumidor que fale com as pessoas. Gente com gente. Gente que ouça o que é dito e responda. Gente que olhe nos olhos (se for por telefone, que ouça com os ouvidos). Que as relações sejam mais humanas e que as máquinas não substituam ninguém. Tudo de bom!
ps – publicado no Correio Braziliense em 22/12/06
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