Deborah Dornellas ganhou o Casa de Las Américas com o romance Por Cima do Mar (Patuá Editora), e taí um prêmio justo. O livro, um romance de fôlego cuja história se inicia em Brasília e termina em Angola, fala de uma mulher da Ceilândia que, após viver uma história de violência, se torna professora universitária e vai parar do outro lado do Atlântico.
Construído com narrativa fluente, pesquisa histórica e cuidado no apuro da escrita, o romance cuida de detalhes como o nome da protagonista, Lígia Vitalina, fusão do desacordo entre pai (que a nomeou apenas Vitalina) e mãe, que queria Lígia, nome preferido igualmente pela filha.
Criada praticamente apenas por mulheres – além da mãe, também a tia, empregada doméstica -. Lígia viveu em Brasília, nos anos setenta, os principais fatos que a juventude preta e pobre da cidade testemunhou. Da festa que terminou em violência policial (“Branco sai, preto fica”, diziam os agentes da lei, enquanto desciam o cacete nos que ficavam, claro) e que originou o filme de mesmo nome de Adirley Queiroz ao surgimento, na cena das casas noturnas, da cantora Cássia Eller. Do crescimento da nova capital, com suas características tão especiais, ao isolamento da gente da periferia (cidades-satélites) em relação ao Plano Piloto. Do recrudescimento da repressão ao crescimento vertiginoso do consumo de drogas.
Além de reviver essa história das primeiras gerações nascidas em Brasília, Deborah também conta o surgimento das primeiras gerações de pretos pobres que ascenderam socialmente pela via dos estudos. Lígia Vitalina se forma em história na UnB, se torna professora, mas percebe o tempo inteiro que ela é a única, ou das poucas, pretas em tais condições.
Após anos de terror provocado por ter sofrido um estupro, a personagem vai parar na África, onde descobre, ao lado de um novo amor, outras raízes, a história de um povo criado sob guerra e violência, mas que não perdeu a alegria e o valor de sua cultura. Lígia, Zé Augusto e a filha protagonizam um belo encontro entre o futuro e o passado, entre um lado e outro do Atlântico, acenando com a possibilidade de uma conciliação que promova a felicidade.
Arreguy, sua escrita é uma delícia. Fico com vontade de ler o livro
Que alegria, Clara! Obrigada por sua leitura atenta. Fico feliz que Lígia Vitalina a tenha visitado!
Ótima resenha. Também gostei muito desse livro. Rico.