Já disse aqui que discordo politicamente de muitos artistas dos quais sou fã. Muitas vezes eles falam algo que considero besteira, ou defendem posições que combato, mas mantenho a admiração pela obra. É o caso do peruano Mario Vargas Llosa, que mudou de ideologia, deixou a esquerda e chegou a se candidatar à presidência do Peru pelo partido neoliberal, mas mesmo assim segue construindo uma obra consistente, digna do Nobel que recebeu.

Em “O herói discreto”, ele volta a personagens já conhecidos de seus leitores – a família de dom Rigoberto, dona Lucrécia e Fonchito – para contar a história de um homem íntegro que se vê chantageado por uma máfia na cidade de Piura (também presente em sua obra). A trama é maravilhosa, as discussões éticas que ele propõe são relevantes e conduzidas com maestria, a narrativa, como sempre, encantadora.

Peço licença para reproduzir um diálogo entre dom Rigoberto e Fonchito que me traduz e representa:

“- … um dia perdi a fé e nunca a recuperei. Acho que foi quando comecei a pensar. Para ser crente, não convém pensar muito.

– Ou seja, você é ateu. Pensa que não há nada antes nem depois desta vida. Isto é ser ateu, não é?

– Estamos nos metendo em coisas profundas – exclamou dom Rigoberto. – Eu não sou ateu, porque um ateu também é um crente. Ele crê que Deus não existe, não é mesmo? Eu sou mais é agnóstico, se é que sou alguma coisa. Uma pessoa que se declara perplexa, incapaz de acreditar que Deus existe ou que Deus não existe.

– Ou seja, nem uma coisa nem outra – riu Fonchito. – É uma forma fácil de fugir do problema, papai.”