Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa judia alemã que conseguiu escapar do nazismo e se refugiar nos Estados Unidos, onde viveu como professora e autora de diversos livros e teses. Sua importância para o pensamento político contemporâneo é imensa, pois veio dela a principal reflexão sobre o totalitarismo, tanto na face direita (nazista), quanto na esquerda (stalinista). Foi ela quem criou o termo “banalização do mal”, a partir da cobertura que fez para uma revista norte-americana, editada também em livro, do julgamento do nazista Adolf Eichmann em Israel.
Uma fração dessa história está muito bem contada no filme “Hannah Arendt” (foto), da alemã Margarethe von Trotta, que tem Barbara Sukowa no papel da ativista judia em um momento chave de sua vida, justamente o episódio da cobertura do julgamento, em 1963. Ali, ao assistir ao que ela considera equívocos – julgar o Holocausto como um todo durante o julgamento de uma pessoa, um homem, que deveria estar num tribunal internacional, e não sequestrado arbitrariamente por um país –, ela tece uma análise que vai jogar toda a opinião pública contra ela.
O filme é importante e inteligente, mas nessa sequência, em especial, ele revela sua importância para o momento político que estamos vivendo, em que a “opinião pública” se torna um ator impessoal, injusto e cruel. Nos textos que publica sobre Eichmann, Hannah afirma que ele, sob a justificativa adotada pelos criminosos nazistas de que apenas cumpriam ordens, banaliza o mal e renuncia à própria condição de ser humano, pois a natureza do ser humano é pensar, decidir, responsabilizar-se por seus atos. Quando ele age sem consciência, sem assumir o que faz, ele deixa de ser um homem. Ele desqualifica o mal que faz.
Em diversos momentos do filme, a personagem, em flashback, se reencontra com o antigo mestre acadêmico, o filósofo Martin Heidegger, de quem foi mais que a aluna mais brilhante: eram amantes e ela teve nele o grande amor. Hannah se lembra de Heidegger ensinando a importância do pensamento, ensinando a pensar. Recorda também da dor maior sofrida quando, não bastasse a perseguição nazista, a perda do país e da nacionalidade, viu Heidegger sucumbir ao poder do Reich para se manter reitor da famosa Universidade de Heidelberg, bajulando Hitler e se corrompendo intelectualmente.
Reencontros posteriores à guerra não apagaram o desapontamento da ex-aluna com o velho mestre. O grande amor não resistiria à covardia moral, quando tantos (milhões!) morriam, fugiam ou resistiam, na Alemanha e por toda a Europa. Hannah nunca perde o espírito de luta, a coerência, mesmo ao correr riscos. Ela se mantém firme em seus pontos de vista mesmo quando a imprensa, a comunidade acadêmica e a comunidade judaica se juntam contra ela, acusando-a de absolver Eichmann e de responsabilizar lideranças judaicas por omissão durante o extermínio de seu povo (a crítica à postura das lideranças durante a guerra ela de fato assume).
O bombardeio sofrido por Hannah naquele momento a fez perder importantes amigos, companheiros de vida e de luta que não a compreenderam. Isso lhe provoca dor, mas ela não recua. Muitos paravam no pré-julgamento, no preconceito, condenando-a sem sequer ler seus argumentos, com base apenas em “resenhas” de má-fé. Outros, mesmo lendo, discordavam de sua franqueza temerária, consideravam-na traidora. Na universidade onde lecionava, confrontou a direção, que a queria expulsar, e teve apenas o apoio dos alunos.
Numa das cenas mais brilhantes do filme, na aula que ela dá para se defender dos ataques, personagem e atriz dão um show, na explicação clarividente de sua construção política e filosófica. Indagada por uma aluna sobre o porquê de tachar de crimes contra a humanidade os crimes dos nazistas contra os judeus, ela responde candidamente: “Porque os judeus são seres humanos, então um crime contra eles é um crime contra a humanidade. E o que os nazistas queriam era retirar do povo judeu sua condição de humanidade”.
Com ensinamentos sobre a importância de pensar, refletir, elaborar, analisar, criticar, sobre defender os pontos de vista nos quais se acredita, sobre defender a pluralidade e a liberdade de pensamento e expressão, sobre a coerência e a coragem diante de qualquer adversidade, sobre pagar o preço por essa coerência e por essa coragem, “Hannah Arendt” mantém viva a figura que o inspirou, uma das mulheres mais brilhantes que iluminou o século XX. Um filme importante, atual, necessário, que nos faz mais inteligentes e joga luz sobre o mundo em que vivemos.
Publicado no caderno Pensar do Estado de Minas em 10/8/13
Adirei esse post. Li com muita vontade de ver o filme e de estudar mais essa filosofa impressionante.
Adirei esse post. Li com muita vontade de ver o filme e de estudar mais essa filosofa impressionante.
Valeu, Wá! Beijão!