Já estava há 50 minutos sem roupa, na fila por um exame pago num laboratório popular. No meio de todas aquelas mulheres de avental azul igual, sentiu-se na antessala de um campo de concentração, sem saber o que a esperava dentro de uma daquelas várias portinhas de onde, de muito em muito tempo, saía uma mulher com jeito de sargento, pasta na mão, a chamar nome após nome. Péssima sensação.
Aí chegou Marisete. Uma senhora uns 10 anos mais velha que ela, foi chamada em seguida a ela. Deu tempo de ouvi-la dizer a idade: 40 anos. Era 10 anos mais nova, não mais velha!
Antes de entrar, porém, Marisete falou, falou, falou. A placa à frente pedindo silêncio não servia pra muita coisa. Enquanto esperava, lia e relia a placa. Chegou a descobrir que silêncio começa e termina com o mesmo som, em duas versões tão diferentes (SIL e CIO), e tinha um ÊN no meio, que vinha a ser NÊ de trás pra frente.
Mas a reflexão não durou muito. Marisete não deixou. Contou que ia ali há 40 anos (mas como, se tinha 40?) fazer seus exames, que tinha dois filhos, que a menina se casara aos 14 e lhe dera netos hoje enormes. Que o menino estava para se formar, o que, quando acontecesse, lhe permitiria se mudar de Santa Maria para Águas Claras (NT: isso, em Brasília, é subir na vida). Perguntou se o seio da colega ao lado era de silicone (era), quantos filhos a outra tinha (3), e assim foi, foi, foi desfiando conversa. Impossível permanecer calada.
O falatório da Marisete serviu para muita coisa, além de irritar a narradora após duas horas e meia de espera. Marisete passou na frente não só dela, mas da mulherada toda que esperava. Era amiga de todo mundo – pelo menos assim dizia. Tinha suas peixadas. Era, enfim, a elite da pobreza. E nossa amiga ali, sentindo-se, afinal, no mundo real. Não mais peixe, não mais vip, não mais especial.
Ninguém sabe com quem está falando quando fala comigo. Nem eu.
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