O arquipélago de Fernando de Noronha foi meu primeiro destino de férias em que percebi um ambiente francamente gay friendly – pra quem não sabe, um lugar onde o público LGBTQI+ é bem recebido e bem tratado. Nunca antes havia percebido tantos casais gays usufruindo as delícias de uma ilha de sonhos, sem ser perturbado por cochichos, olhares, nenhum tipo de repressão.

Me hospedei numa pousada supersimpática, acolhedora, e com pouca gente. Sempre preferi viajar fora das férias escolares e das datas procuradas pela multidão. Havia o fato de não ter filhos, então nem disputava esses períodos com colegas pais de família. Abril, maio, agosto e setembro sempre foram os meus meses preferidos.

Nos primeiros dias da estada, estávamos na pousada somente eu e um casal de homens. Eles eram discretos, mas abertamente casal, carinhoso, animado para explorar as praias e os passeios sensacionais que Fernando de Noronha oferece. Então, timidamente, me aproximei e me ofereci pra irmos juntos a alguns lugares mais distantes, que requeriam transporte. Eles foram solícitos e, embora não muito conversados, acabaram me incorporando. Fizemos bons passeios.

O casal logo foi embora, mas, pra minha alegria, entrou outro na pousada. Na verdade, não era propriamente um casal, mas dois amigos gays que viajavam juntos, como eu tanto fizera com meus companheiros de viagem. Ao contrário do primeiro casal, no entanto, esses eram animados, divertidos, cheios de histórias pra contar. Não seria surpresa a gente se tornar amigos de infância em dois tempos.

Pra culminar a festa, eles eram do meio cultural, produtores de eventos e espetáculos no Rio de Janeiro. E eu, na época, repórter de cultura. Nosso papo não tinha fim. Passeávamos contando histórias, lembrando momentos das nossas andanças pelos palcos da vida, cantando, dançando, contando piadas, fazendo fofoca. Coisa boa é fofocar, né não? Conhecíamos algumas pessoas em comum, gente do meio artístico, e o tricô rolou solto.

Enquanto isso, atravessávamos a ilha de norte a sul, de leste a oeste. Só não encarei um programa que todo mundo diz imperdível, mas que nunca me pegou: mergulhar. Além do medo, medão, pavor, tenho ainda por cima alta miopia, e sempre cismei que lá embaixo d’água, só com a máscara, não veria nadica de nada. Dizem que tem máscara com grau. Duvido que haja alguma com 8,5 de miopia, 2,5 de astigmatismo e 3 de presbiopia.

Numa bela manhã de sol, acordei com a lembrança de um ídolo meu da música, Jacques Brel, e entrei no mar cantando “Ne me quittes pas” a plenos pulmões. Contei pra eles que, antes de sair de férias, havia deixado matéria pronta sobre o compositor e cantor belga. Foi uma catarse. Eles também amavam Jacques Brel. E me contaram que esse era um culto da comunidade gay, o que eu não sabia.

O mar de Fernando de Noronha é de um azul profundo, de uma coloração nunca vista – já admiti que a cor do Mar Jônico também me marcou pelo ineditismo dos tons de azul. Tirando esses dois, minhas retinas não se lembram de outra beleza tão estonteante em águas salgadas. Os dias que passei ali, os amigos que fiz, a diversão que me permiti, o relax, o detox, o desestresse, as paisagens, os passeios, os mergulhos, tudo foi inesquecível.

Naquela época ainda não tinha trabalhado com jornalismo esportivo, o que só vim a fazer mais tarde. Entre as pessoas que conheci na tal pousada, estava uma equipe do canal Sportv, repórter, cinegrafista, motorista, que também era caboman. Estavam lá fazendo uma matéria não me lembro sobre o quê. Ficamos camaradas, trocamos ideias. Nunca me esqueci de um diálogo com a repórter:

– A cobertura nacional é boa, tem qualidade, o único problema é o bairrismo excessivo, disse eu.

– Como assim, bairrismo?, indagou a colega.

– A parcialidade a favor dos times do Rio e de São Paulo.

– Ora, isso não existe.

– Como não? Você nunca percebeu como os clubes do “eixo” têm mais espaço, mais destaque, narração francamente parcial de jogos?

– Claro que não! Todos os times são tratados igualitariamente.

– Amiga, eu venho de Belo Horizonte. Lá temos três clubes (na época tínhamos), dois na séria A, um na B. Preste atenção na abordagem, na minutagem, nos comentários sobre o que o Flamengo ou o Corinthians têm que fazer pra melhorar na partida, como se não houvesse o adversário?

– Olha, respeito sua opinião, mas acho que você está paranoica. Isso não existe. Nunca ouvi falar.

– Ok, baby, não precisamos discutir. De jornalista pra jornalista, te dou só um conselho: abra mais os olhos e os ouvidos. Faça o exercício de se colocar no lugar do outro.

A gente viaja, conversa, conhece gente, aprende, ensina. Mas nem sempre o óbvio é visível a quem não quer ver.