Quero compartilhar com vocês um livro diferente que acabo de ler, um romance islandês. Sim, na Islândia tem literatura policial, e de qualidade. Também nunca tinha ouvido falar de nada daquele país que fica no meio do Atlântico, lá no norte – a não ser do vulcão de nome impronunciável que bagunçou o tráfego aéreo na Europa alguns meses atrás.
O livro se chama “O silêncio do túmulo” (Companhia das Letras, 320 páginas, R$ 36) e seu autor, Arnaldur Indridason, tem 50 anos. A narrativa policial alterna dois tempos: no presente, durante obras de expansão urbana próximo à capital do país, Reykjavik, um corpo é encontrado enterrado num local outrora distante. Pelos cálculos iniciais dos investigadores, provavelmente estava ali desde a Segunda Guerra Mundial.
O segundo tempo narrativo é justamente os anos 1940, quando uma família vive um drama: a mulher apanha sistematicamente do marido, um homem tão violento que não lhe escapam nem a filhinha dela de uma relação anterior, deficiente física (que ele tortura psicologicamente), nem os filhos dele, dois meninos que crescem apavorados com o pai.
Enquanto a mulher tenta se livrar do algoz, acompanhamos em paralelo as investigações da polícia e dos arqueólogos chamados a escavar o local em busca de pistas que não destruam o principal: o corpo enterrado, que a princípio não se sabe se de homem ou mulher. Pelas descrições do autor, o leitor toma contato com a face da violência contra a mulher, a gratuidade e o desrespeito, e se indigna com a situação.
Com o desvendar dos fatos, percebe-se que Indridason filia-se à escola nórdica de romances policiais, principalmente dos autores suecos com os quais o leitor brasileiro está mais habituado, como Henning Mankell, de quem já falei neste espaço. Como o sueco, o islandês traça um pano de fundo da política contemporânea de seu país e vai fundo na psicologia de seus heróis e anti-heróis, sejam os protagonistas dos dramas e tragédias investigados, sejam os condutores da investigação em si. O caso mais exemplar é o do agente Erlendur, às voltas, ainda por cima, com a filha em estado de coma, mais uma vítima do abuso de drogas, verdadeira epidemia a dizimar jovens.
Publicado na coluna que mantenho na intranet do MDS, onde trabalho
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