Numa sociedade veloz como a que vivemos, o livro da hora (e daqui a meia hora já será outro) é o Nada menos que tudo (editora Planeta), do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Pela facilidade de acesso a ele em PDF, sem restrições ou preocupações com vendas e direitos, parece que a intenção da iniciativa é “falem mal, mas falem de mim”.
Funcionou! O livro é muito bem escrito (pelos experientes jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin). Por causa do texto fluente e da narrativa eletrizante, que acompanha passo a passo os fatos ocorridos na política nacional entre 2013 e 2017, quando Janot ocupou a cadeira mais alta da PGR e conduziu o processo da operação Lava-Jato, é leitura que se devora. E há as revelações.
Menos que se esperava, pelo título. O caso do “quase assassinato” do ministro do STF por Janot, quando este teria entrado armado no Supremo e na última hora desistido do tresloucado gesto, não passa de três linhas sem a explicitação do nome da futura vítima nem maiores detalhes. A história abertamente só foi contada por ele na entrevista à Veja, quando revelou o ódio por Gilmar Mendes e o motivo do crime que tencionava cometer (a defesa da honra da filha). Mesmo assim, pelos dados informados na matéria, já se descobriu que no tal dia Janot não foi ao Supremo, pois nem em Brasília estava.
Enfim, ao se dispor a contar “nada menos que tudo”, o ex-PGR abre o jogo quanto ao poder desmedido da “república de Curitiba”, à frente Moro e Dallagnol, com fatos que a série de reportagens Vaja-Jato, do The Intercept, havia acabado de desvelar com mais intensidade e detalhes. Informa que o procurador-chefe da força-tarefa lhe pediu pra passar à frente dos demais o caso do ex-presidente Lula – o que corrobora as antes consideradas teses conspiratórias de que a Lava-Jato mirava tirar de cena o principal candidato às eleições presidenciais de 2018.
Mas faltam ainda muitas respostas. Ao expor desmandos e malfeitos cometidos por subordinados seus – afinal, a força-tarefa de Curitiba é subordinada à Procuradoria-Geral da República, ora bolas! – não responde por que deixou o barco correr solto, deixou a Justiça se fazer de cega, deixou que a sede de poder de um núcleo regional se sobrepusesse ao sentido de independência que o Ministério Público havia conquistado, inclusive, diga-se de passagem, nos governos petistas, que sempre lhe garantiram isso.
Janot, já naquela época, dava sinais de desequilíbrio. Um dia o vi falar na TV. Havia emagrecido, o terno parecia bambo, herdado de defunto maior, como se diz na minha terra (que é a dele, também). Parecia deprimido, emasculado. Lendo o livro, vê-se que ele tem problema com a bebida, pois ela é coadjuvante em várias das cenas que ele protagoniza. Um desequilíbrio que, de duas, uma: ou o levou a quase matar a tiros um ministro do STF e depois se suicidar ou a fabular essa história, num evidente delírio.
Ainda que parte da mídia insista nos avanços que a Lava-Jato trouxe no combate à corrupção, o país ainda se ressentirá por muito tempo dos retrocessos do abuso de poder, do uso da máquina para perseguição de adversários, do desgaste do papel do Judiciário, da queimação da política como espaço democrático de solução dos conflitos. Janot foi peça fundamental na construção desses tempos tenebrosos. Se não por ação, por patente omissão.
Uau! Excelente resenha. Já baixei o livro. Acho que agora vou ler.
Ótima resenha. Mas talvez o que parece delírio tenha sido muito bem pensado como marketing. E funcionou.
Nem vou precisar ler. A Clara ja destacou o que tem de revelacao e de lacunas.
Obrigada, Clara! Vc fez a tarefa chata (deve ser muito chata!) por nós.